segunda-feira, 31 de agosto de 2009

E o que é a morte diga lá meu irmão

(totalmente reescrito!)A gente recicla e reaproveita ideias, por que não histórias?

Amanheceu e nasceu o Sol. Um belo dia. Mas morreu. Mesmo com toda a vida, com todo aquele Sol lá fora. Digamos que o amor de todo o mundo e as suas bochechas rosadas de tanta saúde não detiveram o fatídico acontecimento. Morreu. Um rapaz que tudo tivera: família, amigos, dinheiro, garotas. Satisfeito consigo mesmo, com as relações que mantinha. Era boa a vida. Boa, até que um dia, um dia acordou morto.
Por um momento não conseguia orientar-se, parecia ter caído da cama em meio a um pesadelo. Já não tinha sono, estava alerta, olhos abertos, atentos a nova configuração. Sentou-se na cama. Não entendia o que sentia. Calçou os chinelos. Levantou-se. Estava tudo diferente agora, ele sabia. Tomou seu café. Escovava seus dentes enquanto olhava atentamente o espelho com um novo semblante alienado. Resguardava-se no interior da sua rotina, com certeza mais fácil do que encarar o incidente.
Saiu. Talvez pudesse ludibriar a angústia com a distração. Andou por lugares que lhe eram comuns, a rua de casa e a do trabalho, agora lugares estranhos, lhe diziam algo e ele tentava captar. Descobria um novo continente __ habitado por ruas escuras e olhos tristes. Sombras que não se escondiam, desfilavam desafiadoras e, eventualmente, esbarravam nele. O dia caminhava com aparente naturalidade, só ele ia contra a maré. Não, aquele não era seu lugar, não se encaixava. Que mundo era aquele que ia existindo... tão sem propósito e fora dele, como se ele nunca o tivesse visto. Ele viveu morto o dia como vivo, morrendo mais a cada instante. Estava imerso em um tédio, sem vida, sem cor. Não queria encarar a verdade que o encarava. E morria um pouco mais, enquanto se perguntava se lhe era possível falecer após tamanho infortúnio.
É que não esperava que morrer fosse assim, sem flores nem luto. Mas o que sabia ele sobre a morte, o bom-vivã. Um leviano, malandro e boa-praça, isso é o que ele era. Mas e o que ele seria a partir de então, posto que já não poderia ser o que fora um dia? O que faz alguém que amanhece finado sem saber se lhe roubaram todas suas certezas e crenças ou se elas jamais existiram? Como quem nasce. Como quem nasce. O que faz alguém que não sabe o que fazer de si? Aprende?, mas não esse homem. Se ele refletisse um momento veria que nada mudou tanto de lugar, afinal, ele nunca soubera muito que fazer da vida. Renascia em um corpo de adulto. Corpo duro e gelado e pálido. Para que todos aqueles exercícios?
No trabalho ninguém parecia lhe notar a morte. Passou por lá como um fantasma, talvez só tenha chegado até a porta e pressentira que aquele não era mais o seu lugar. Um enjeitado. Aberração. Ele foi para casa e estava exausto.
Em casa um desconforto fortuito. Entre aquelas paredes onde nenhuma alma estava viva, ele sentia-se sufocado por uma multidão. Melhor estivera nas ruas, quando vagava e as sombras esbarravam nele, mas nem lhe olhavam na cara. É que ele também tinha seus próprios fantasmas e, ao encontrar-lhe sozinho e indefeso, estes decidiram lhe afrontar a queima-roupa. Nem sinal de sombras nos seus espectro nítido. Que lhe deixassem sozinho afinal! Ah esses malditos olhos mortos que hoje deram para enxergar. Arrancaria de si os fantasmas, arrancaria tudo o que viesse pela frente. Onde estava Deus para lhe dizer seus pecados e mandá-lo ao purgatório?
Sensação de perda, perda de si, de significados. Vinha de dentro dele. Queria respirar e sentia falta do ar que estava ali, mas não satisfazia seus pulmões. Tremia, delirava. E como para embalar sua morte, teimava em andar pelos cômodos, com se fosse encontrar algo ali. Resmungava pelos cantos sobre sua condição, o que seria de si e de seus compromissos? Que droga era essa que estava acontecendo com ele... e se teria fim e blá blá blá. Eram devaneios febris. Ou simplesmente palavras que em vão tentavam descrever o substantivo.
Até que este homem que cismava com a morte sorriu. E aquele sorriso não era mais seu, era do outro que ele não conhecia, mas ia experimentando. Verdade que não sentia nada. Nunca estivera tão vazio, ele que tinha tantas coisas, tivera. E no escuro o que ele tinha era aquele sorriso, aquela careta bonita. Verdade que na morte não se leva nada. Mas também não se perde não. Brincava de experimentar, pois que tudo era novo e não havia escolha.
Ainda respirava com dificuldade, e sentia frio. Sintomas de morte. Era morte sem dúvidas. Toda aquela inquietação do dia agora pesava em seu peito. De muitas coisas não entendia. Nunca pensara muito na vida, mas vivia e isso sempre fora suficiente. Não era culpado. Por que pensaria na morte afinal! Raios! Não estava preparado para morrer, não para perder tudo assim. Não estava triste. Tristeza nada tinha a ver com isso. Era outro estranhamento, e vinha de lá, da perda, buraco em si mesmo, um grande buraco para preenchê-lo depois do que foi expulso. Foi um ato pensado, necessário, não sentia mais como antes a vida, e tudo o que ela significava. Estava vazio e sozinho. Tinha um grande corte no peito. Mas ninguém vinha. Nada. E não havia o que esperar. Que agonia tamanha era degustar o desconhecido; nada dependia mais dele.
O turbilhão de sua mente o inquietava. Sua esperança primeira: a paz da morte, ela deveria chegar a qualquer instante. E pedia a Deus que não lhe concedendo misericórdia ao menos lhe propusesse concordata.
Lá fora Sol se pondo, o dia de sua morte ia morrendo também. O Sol mandava raios, mas ele só filtrava brisas agora. Vinha essa brisa, diferente de tudo o que já sentira. Arrepiou-se todo, perdendo até o sorriso "seu". A atmosfera ficava cada vez mais mórbida, e de seu vazio interior algo novo passava a existir, que não lhe agradava. Ele nunca teve medo de nada, até então. De que? Odiava a metafísica e as questões políticas. Ele não tinha culpa se preferia a simplicidade. Mas parecia que estava em seu próprio funeral, sozinho, velando o próprio corpo, e isso ele não poderia ignorar.
A brisa sussurrava ao pé de seu ouvido, “que vá morrer, que vá temer”
Ele quase achou graça. Alucinações? Deveria ser o último dos sintomas, certamente. E, no entanto, aquelas palavras dentro dele percorrendo agitadas, e quanto mais as repetia mais elas eram convincentes.
Contudo nada de grand finalle. Ele permanecia morto-vivo.
Depois que o tremor passou, ele pode pensar melhor. Sua mente desanuviava, ele enxergava dentro de si. Qual era a grande resposta que se aproximava? Nunca fora filósofo, mas tentava ser racional. Pensou sobre a morte, tudo o que estava passando e a grande perda. Perder a vida era triste. Entendeu. A morte era triste e ele se se permitia a tristeza. Mas havia um motivo maior que explicasse tudo? Ele pensou durante horas. A vida e a morte, um mistério.
Voltar a gozar plenamente o seu viver, a partir desse momento se tornara impossível. Parte dele era morte e não havia início nem fim, parte imersa no todo.
Ele buscava respostas, “de que adianta viver morrer?”, todos continuam a encenação. Estava inseguro. Sentia responsabilidade sobre a vida. A voz havia sido clara, estava só e deveria ter medo. Tudo era tão mais complicado do que imaginara. Como não fora capaz de perceber! Como ignorara por tanto tempo o medo? Medo e vida. Tudo está ligado, caberia a ele encontrar o equilíbrio.
Realmente, a vida não era tão boa assim, ele refletia. Achava muita injustiça em viver. Morrer não, morrer era justo, igual para todos. A presença da morte que me tornou mais cauteloso, obrigado a valorizar a vida.
Percebia-se, mudava.
Deveria rezar? Talvez ainda lembrasse o Pai nosso. Achava que poderia ter feito muitas coisas diferentes. Mas era tarde demais. Tudo claro agora. Ele fora tão tonto, como pudera viver feliz, despreocupado, alienado do fato de que se pode morrer a qualquer momento. O peso da morte o envelhecia, rugas em um rosto jovem. Nem mais uma gota de felicidade, de vida. A culpa selava sua morte.
A culpa o atormentava. Pensava que, talvez, se tivesse me preocupado mais, refletido mais antes de agir. Bem, deveria ter se preocupado com a morte ao invés de viver só de alegrias frívolas. Se tivesse sido mais sério.
Morreu o dia e anoiteceu. A brisa da noite era diferente. Não oprimia, era mais leve. Um frescor de vida veio soprar em seu rosto. Era a vida que ainda estava ali, o chamava para uma ainda, quem sabe possível, felicidade?
Criava conjecturas. Para ele, tudo perto dela era pequeno __ encontrava a beleza da morte. Mais alguns problemas lhe surgiam, somente alguns bem pessoais. Ele e suas partes refletiam acerca da essência humana, o que significava existir e se realmente tivera o que chamamos de identidade. Ele buscava seu próprio equilíbrio.
Que ironia era acordar para a vida na fatídica hora da morte. Mas ele estava mais forte! Sim, a morte o fortalecera. Era um homem afinal, pronto para viver ou morrer. E como homem que era sentia medo, arrependimento. Conhecia a vida e a morte. A vida vinha pela janela abstratamente. Mas ele congelado, que podia fazer? O frescor da vida, em contato com sua pele morta, feria. Era uma dor que não doía, mas desesperava; dor invisível de quem só espera pelo fim, ou pelo começo.
Olhou para dentro de si, e seus olhos de repente brilhavam de emoção. Ali a sua frente estava a grande descoberta. Talvez pudesse tocá-la! E tentava, pois que estava dentro da morte, __ “morte que redime nossos erros, clareia nossas dúvidas. Então, não são inimigas a morte e a vida! Duas forças diferentes que se completam... aí está o equilíbrio!” E sentiu-se cheio, redondo. Como não havia percebido antes? Sentia-se bem na morte, enxergava o escuro com seus novos olhos. Que sensação mais pueril, a quase tranquilidade e, no entanto, sua boca aguava da vontade de comer aquele instante, devorá-lo para si que era seu, para que ele sempre fosse seu. Ali não via o óbvio, via além; e todo ele se alimentava avidamente daquela náusea doce. “Ah, quero viver!”.
Queria viver! Sim, compreendia que amanhecer em morte o fez acordar para si. Que vida era leviandade e tudo o que trazia era prazer, enquanto a morte secava toda a ingenuidade, o tornava perspicaz, um tanto desconfiado. Descobrira que às vezes era preciso buscar força na morte para se entender a vida.
Pressentia que logo despertaria para seu novo caminho. E agora ele sabia que tudo seria diferente, nem vida nem morte; o que era isso então? Conformado, “A morte está em mim, ela precisa existir para que exista vida. Vida, Morte e uma linha que sou eu, essa é toda a verdade que conheço”, ele entregou seu último suspiro, e neste não havia bondade.
Às sete da manha, o despertador toca, como de costume. Um calafrio percorreu sua coluna vertebral, abriu os olhos. Verdade que fora um longo e estranho sonho, e ainda assim somente um sonho. E tudo estava lá nele, aquela verdade do sonho, poderia sentir a verdade boiando em sua garganta, sutilmente lhe asfixiando. Uma pergunta o inquietava: será que o que o sonho desencadeara caberia nos seus dias? Ela alojada palpitava, reclamava valor e era grande. Em seu instinto hostil de bicho livre, a cativa Verdade encurralando seu dono, desafiadora. O cativo dono inóspito, cheio da ambição e vivo. Os mortos sabem muito mais do que os vivos, pensou e calmamente ele levantou-se e resoluto, refletiu se deveria engoli-la ou vomitá-la.
Havia de pesar as duas opções, cometera um erro: sempre há escolhas. Decidiu-se então por vomitá-la, posto que ainda tinha medo de fantasmas. E o que é a vida senão uma grande ilusão.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Lucas

Reescrito dia 23/02/2010.

LUCAS.


Novamente aquele olhar. Aquela expressão de devoção e dor; como se eu fosse uma espécie de entidade religiosa que devesse ter compaixão. O que eu sentia era pena e, talvez, um pouco de raiva também. Em troca, dei a melhor expressão sarcástica que pude. “Seja homem. Choramingar não levará a nada, nem me fará ser mais seu.”
Num estalo, ele recuperou a compostura e encarou-me. Eu sabia que ele já estava exausto para continuar, e que mesmo assim eu não poderia deixá-lo em paz.
“Tão injusto, você nunca foi e duvido que um dia será meu,” ele insistiu em um tom ressentido.
“Hum,” sorri um tanto admirado. Ele tinha toda a razão. Não que eu não me importasse, aqueles olhos ora abatidos e ora esperançosos eram o que me fazia existir. Mas eu não podia evitar sentir-me o possuidor, e o era de fato. Como uma mãe e seu filho, ou melhor, como um homem e seu cão. Um homem que, seguro de sua posição de senhor da casa, cria um cão no quintal, alimenta-o, lhe oferece algum tempo de seu dia, passa a estimar o animal. Um cão sempre deve ser submisso ao seu dono.
“Cego é aquele que não se descobrir nessa vida,” disse ao acaso, enquanto apreciava seu quarto. Tão bobo com todos aqueles livros e discos românticos. Preso em seu próprio conto de fadas, o meu querido cão, sempre fantasiando as coisas que não existem.
Ele ainda me avaliava. “Não me amas?” e era mais uma exigência que pergunta. Perscrutei seu olhar. Dessa vez nem esperança nem melancolia, sua fisionomia exprimiu um sentimento que não reconheci.
“Eu não sei...” respondi, duvidando de minhas próprias palavras. Queria ser sincero para ele. “Mas acho que sim,” e foi o mais perto de franqueza que jamais lhe entreguei.
Ele suspirou, “Lucas, hoje não me apetece enternecer-me de suas mentiras,” dessa vez ele parecia decidido. Mas será mesmo? Resolvi provocar-lhe. “Não procure em mim suas certezas. Por favor, perceba de uma vez por todas que não irá encontrar nenhuma aqui.” Então acho que consegui atingi-lo, ele desviou o olhar e levantou-se. Afastava-se, me dando as costas. Senti uma inquietação subir-me pela espinha.
“Você é um homem, então. Sim você é. Um homem muito metido a besta,” falei assim, atacando-lhe as palavras, queria que ele olhasse para mim. Ele olhava a janela.
“É muito feio esse seu jeito de nunca saber decidir-se,” afirmou. A aspereza de sua voz me atingiu com tanta força que me paralisou por completo, não consegui articular uma só palavra. Há quanto tempo eu não ouvia sua voz assim, não lamuriosa, determinado.
Mais uma vez, ele com a razão. Não gostava de me sentir acuado com suas perguntas e, no entanto, sempre achava um meio de me divertir com elas. Era bom reverter as situações só para deixá-lo irritado. E eis que agora eu, eu não sabia o que poderia dizer a ele, que parecia tão absorto em seus pensamentos e, como sempre, olhava a lua. Colocou um CD, a faixa de sempre, Sixpence tocava “Kiss me”.
“Você sabe bem. Você olha a Lua, você só deseja o inalcançável. Venha, tente, kiss me,” eu sabia que o veneno boiava quente em minhas palavras. Logo ele iria se virar, os olhos rasos d’água, e pedir que eu parasse com tudo aquilo.
Mas ainda fitava a Lua, estaria hipnotizado? Talvez eu tenha sido muito cruel, estaria em choque? Queria ver-lhe a face. Tentei dominar o pânico que crescia involuntariamente a cada segundo que ele rejeitava a minha presença ali. Vejo que será uma noite longa e inédita.
Começou a balbuciar umas palavras. Não era para mim que ele falava.
“tentar tocá-la, poderia, mas estás tão, tão longe. Oh Lua, minha dama misteriosa, me contarias se eu estivesse totalmente errado, não é? Por favor, me diga se perfeição, se completude só é possível nos sonhos ou, ou se posso continuar sonhando aqui. Eu não entendo, não consigo juntar os pedaços de mim.”
Terminei minha prece e virei; meus olhos piscaram ao ver o estranho no espelho. “Não sei quem você é, então,” Eu confrontei Lucas pela primeira vez.
Um lapso de surpresa, ou terá sido medo. Lucas agora franzia a testa, desconfiado. “Qual é a questão agora? O que eu perdi, meu querido?”
“Eu sempre te dei poder sobre mim,” disse em um rosnado entre meus dentes, era como se uma fera tentasse se libertar através da minha boca.
“E isso é errado? Reflita, meu caro, se não é a ordem natural das coisas. Há sempre um vencedor,” Lucas ria-se de mim tentando parecer à vontade, mas sua voz não parecia firme como de costume.
“Lucas, Lucas, sempre tão o inverso de mim. Você sempre diz o que pensa, não?” dessa vez ele não iria me dominar o espírito. Não iria deixá-lo me enlouquecer.
Olhei fixamente o seu belo reflexo. Analisei aquele que era o motriz de minhas oníricas aspirações. Meu corpo automaticamente congelou quando seus olhos trancaram os meus. Tão intensos eram os olhos de Lucas, sempre me dragavam para dentro dele. Eu sabia que não poderia escapar.
“Você escolheu a imaturidade para lidar com os jogos de viver, não é?” eu não queria me entregar sem lutar, eu precisava entender.
“Eu vejo a vida como um contínuo vir a ser. Não espere nada de mim.”
“Mas diga-me, eu te imploro, como pode ver tanta graça em errar?”
“Eu não sei,” Lucas murmurou. E pela primeira vez estava ali e, como ele pode me deixar vê-los! Lucas nunca demonstrava suas fraquezas, mas a minha frente estava um par de olhos tristes. Nem sinal do sorriso irônico que eu tanto amava. Vê-lo sentir dor me ensandecia.
“Kiss me, Lucas,” minha voz estava bem alta agora, desesperada, “por favor, por favor, seja meu, complete-me.”
Eu desprendi meu olhar dos seus e mirei os meus dedos dos pés. Tentei me focar nessa imagem, enquanto me esforçava para afastar o pensamento de Lucas saboreando minha fraqueza com seu ar de satisfação. Mas talvez não. Nunca vi Lucas sofrendo, nem mesmo um ponto fraco. Ele sempre escondia seus sentimentos por trás daquelas piadinhas afiadas e sempre prontas para implicar ou me entristecer. Assim era Lucas. Eu não me importava, eu não podia evitar amá-lo de qualquer forma. No entanto, uma pequena parte de mim acreditava que Lucas me amava e, sendo assim, ele estaria tão triste quanto eu estava. Mas era uma parte tão diminuta que não se atrevia a lhe dirigir a palavra. Eu esperei pelo seu veredicto. Não veio. Então me preparei para encará-lo, não havia nada a perder.
Embora preparado, ver sua face perfeita em dor me fez perder o fôlego; seu reflexo era um eco do meu agora. Examinei o ângulo tenso de suas sobrancelhas; um instante eterno. Então compreendi. Ele sempre tentou me dizer, estava em seus gestos, seu sorrir, mas eu fingiria não ouvir, não ver. Eu não podia ser culpado, eu adorava Lucas! Amá-lo fora minha vida durante tanto tempo. Eu não me importava em ignorar o que estava exatamente a minha frente. Faria qualquer sacrifício de bom grado por ele, mas já estava terminado desde o começo. Lucas era algo que eu nunca poderia ter e o que eu mais desejava. Todo o tempo ele tentava apenas me fortalecer, mas eu falhei novamente.
“Está tudo bem, Lucas. Eu entendo agora,” fraquejei, minha voz tão frágil quanto uma porcelana. Eu lutava para que minha mente não depreendesse as palavras que eu tinha, mas relutava desesperadamente por não ter que dizer.
"Eu quero que você saiba que eu, finalmente, vejo a verdade e," não pude terminar a frase, não podia. A dor era dilacerante e entorpecia meu corpo, meus lábios seriam o meu implacável carrasco. "Você pode ir, Lucas. Você não está mais ligado a mim," disse, mas não foi mais que um sussurro.
Eu estava em pedaços. Com os olhos fechados, percebi que estava tremendo, abafando um grito excruciante. Lucas era o centro do meu universo, mas não podíamos ficar juntos. Lucas era perfeição, intangível fora daquelas paredes. Era inevitável, um dia eu teria que encarar a realidade e deixá-lo ir, pois eu sabia que nós não pertencíamos ao mesmo mundo. Eu poderia resistir àquela dor desde que ele estivesse a salvo da minha obsessão.
Minhas certezas submergiram na escuridão do meu futuro. Minha vida seria um vazio negro dali em diante, eu sentia como se já o fosse. Não pude evitar sangrar por dentro. Escutei ele chamar meu nome, sua voz tremendo também, fez-me arrepiar.
“Eu te amo.”
Inesperado. Não, ele já devia estar longe e agora o entorpecimento me causava alucinações. Meus olhos estavam embaçados e úmidos. Levei alguns segundos para me restabelecer. Ele pegou minha mão. Ali estava a sua bela imagem, ah, Lucas estava brilhando. E me estendia a mão, confiante.
“Lucas. Não há como. Lucas, o que eu posso fazer?”
“Vem comigo?”
As palavras não faziam sentido, mas soavam como música. Lucas me queria. Ele me preencheria, era tudo que eu sempre quis. Nada mais impediria que eu vivesse a história que inventei. Afinal, minha alma já era dele desde o princípio.
Eu lhe ofereci meu sorriso tímido. Ele sorriu de volta, aquele seu, meu, lindo sorriso torto para o canto, que de tão grande e brilhante não poderia ser real. Oh, Lucas era um anjo! Meu Lucas. Ele sabia que eu iria com ele para onde quer que fosse, faria tudo por ele.
É servir a quem vence o vencedor. “Para sempre.”
E os dois se foram no sumidouro do espelho. Eles se permitiram, enfim.