terça-feira, 4 de novembro de 2014

Beijo

Ele sentia um formigamento em suas extremidades. Seu corpo todo o impulsionava para frente, pulsava, enrijecia-se . Mas, hesitava, havia de esperar por algo nela que sinalizasse a sua investida.

Ela, por sua vez, não queria parecer muito atirada. Ora, ela queria era devorar aquele momento, entrar nele feito água, feito a sua saliva quente entrava pela sua garganta apertada agora. Toda ela se enchia de ar em breve leviandade. Ruborizou-se.

Era o sinal. Ele correu com o lábios para sua bochecha morna. Esfregavam-se queixos e amassavam-se narizes. Dois rostos se conheciam. Encontravam o encaixe, afinal.

sábado, 24 de maio de 2014

Medocoragem, amor


_ Eu te amo.
_ Ah, eu te amo tanto.
Suspiros, silêncio, olhares
_ Mas, sabe, isso me dá... medo.
_ Medo? Ao contrário! Isso me dá coragem.

Medocoragem, e eles são dois. Dois corpos unidos, dois sentimentos opostos. 

Ela tem medo de, ao se entregar, se perder. Perder-se nele, transformar-se em outra. Hoje é um alguém de outro alguém, e isso é uma novidade. Aprendeu a lidar, pois percebia que já era sinceramente dele, e não queria negar, não, dessa vez ela se afirmava nisso. Ela dele, ele dela. Achava natural, muito humano esse instinto de possuir e se doar. Mas uma questão lhe vinha à mente: Quanto tempo dura a eternidade do amor? 

Ele sente coragem. Ao se imaginar daqui a 15 anos, ela é a certeza, estará ao lado dela. E por tê-la consigo sabe que estará bem, pois ela é sua maior alegria. O porto seguro para os dias difíceis, o afago dos problemas, o cobertor no frio. Ele sente coragem para viver nesse mundo incerto e ainda formar família, ter filhos, ter netos. Um amor construtor que quer planejar, dividir, realizar sonhos juntos.

Por vezes, ao longo dos anos, era ela a da coragem e ele o do medo. Também eram harmonia, ciúmes, cumplicidade, paixão. Dois seres humanos se amando. Vulneráveis e fortes. Afinal, amor "é um cuidar que ganha em se perder". Perder-se de si, encontrar-se no outro. 





segunda-feira, 18 de junho de 2012

Conto de fadas particular

Era uma vez uma menina que não sabia o quanto estava só. Ela caminhava, passos firmes, mas ninguém ao lado para dar as mãos. E passaram-se anos, e passaram pessoas. Mas suas pernas não ficavam bambas, seu estômago não parecia conter borboletas inquietas. Sempre a mesma história de início, meio e fim já marcados, previstos. Ela havia de contar com o passageiro, aprendeu. Pois descrer era melhor do que sofrer. 
 Achava que a incompletude era parte dela, lhe conferia identidade. E disse ao vento “não preciso de um Outro para ser feliz”. E não precisava mesmo. Mas até quando?
Um belo dia, chegou um cavaleiro na cidade. Ele vinha de longe, também sozinho. Curioso que de todas as moças disponíveis, ele fora fixar seu olhar nos dela. Um acaso, pensou a menina que não mais acreditava em amor a primeira vista. Ela se via borralheira, ele a via Cinderela. Então, ele a convidou para o baile. Ela não fez planos, mas se arrumou com primor para encontrá-lo. Ele lhe deu chocolates e a fez sorrir. O abraço era caloroso e sincero.
Tudo ia bem, como havia de ser. Mas ela não iria além, acostumada a calcular até onde deveria pisar, criava atalhos para evitar os caminhos arriscados. E era arriscado estar ao lado dele que a fazia se sentir mais forte e mais feliz do que sabia ser. Percebia-se meio boba, a rir pelos cantos. E os dias se seguiram com leveza, enquanto os dois trocavam mensagens de apreciação e saudade. Um relaxante torpor a impedia de fugir.
Mas o cavaleiro de veras ansiava pelo momento em que a moça lhe entregaria seu coração. Ele tinha uma espada e derrotou os monstros e os medos que aprisionavam a menina. E, então, a mais antiga das magias aconteceu: eles se apaixonaram!
Hoje eles caminham lado a lado por uma trilha de tijolos dourados. Ele a ensinou a dizer eu te amo. Ela lhe trouxe paz e aconchego. Entrelaçaram dedos, sorrisos e futuros.
E viverão felizes para sempre, enquanto houver um ao outro para amar.

 

terça-feira, 14 de junho de 2011

Dia dos namorados

De mãos dadas
vislumbramos as luzes da cidade
Meu olhar caminha pelas luzes
Você olha para mim
Com a boca toca minha face
Com os dedos cafuné
A noite brilha, quer ser especial
No mar a luz amarela dos postes desenha
No céu uma lua cheia de mistérios
Comento sentir falta das estrelas do céu
Encobertas pelas estrelas do homem
Lembro-me que na vida há sempre uma perda.


Tento não me assustar com o caloroso afago
Tento não ver as luzes a se dissipar
Dentro de mim a conhecida escuridão
Transforma a praia em precipício
É a volta da outra que também sou eu
Me pergunta: "como se sabe quando acaba o luto?“
A morte de um sentimento é como a morte de um filho.
E você ainda ao meu lado
Me aperta forte contra o peito
Emudeço
A poesia de mim se esvai
Já não sei mais abraçar forte
Já não sei entrelaçar dedos
Já nao tenho palavras doces
Só beijos de espinhos
Mas sinto.

Sinto saudades do que não vivi
Sinto tristeza pelo que não perdi
Sinto medo do que é bom
Sinto o contrário dos sentimentos
E sinto profundamente a angústia por sentir demasiado
Tanto que de pronto me despiria
Dos sentires todos se assim pudesse
Mas não posso
Sou o presente de um passado
Sinto, logo existo.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

O momento do palco


Virada pelo avesso. A carne nua e crua. Exposta aos holofotes.

Eu sabia o que tinha ido buscar quando me inscrevi no curso de teatro. Era o desconhecido, a fraqueza, o anseio por perguntas mais desafiadoras. Buscar o desconforto do novo, a aventura do não saber, não ser excelente e ainda errar bastante. Viver. Humanizar-me.

Há alguns segundos para o início de minha primeira peça, sinto. Milhares de sentimos borbulham de todas as partes de mim, se contradizem, se chocam e se beijam. Medo, insegurança, otimismo, ansiedade, vergonha, curiosidade e reticências. Sim, reticências porque acredito que há ainda sentimentos que não têm nome.

Eu me despia e deixava sentir tudo, todos aqueles sentimentos que juntos tornavam-se outro, um profundo, particular e heterogêneo palpitar. Admito que quase sucumbi. Pensei: “ora, que deu na minha cabeça em cismar de fazer essa peça! Que estou fazendo aqui, como faço para sair dessa?” Não havia saída. Todos estávamos conectados e havia uma platéia a nossa espera.

No palco tudo que é escondido por debaixo dos panos do cotidiano me esmagava e me mantinha de pé. Entre o ridículo e o grotesco, a hybris. É impressionante, surreal, mágico, sim, o teatro era mesmo aquilo tudo que me contaram. Um dos momentos mais vivos de minha vida. Eu vivia o ápice. Caminho intermitente entre o movimento e a imobilidade, o equilíbrio e o desequilíbrio.

O teatro me apresentou ao meu corpo.

Hoje em dia colocamos o nosso corpo em segundo plano. Primeiro o intelecto ou, melhor dizer, os certificados que atestam conhecimentos e nos dividem em classes, grupos. Se sobrar tempo (e dinheiro) nos voltamos a vaidade com o corpo, o cuidado com a forma física. Mas este é só o corpo objeto, para ser observado e exposto.

Poucos chegam a percepção do corpo sujeito -nossa primeira casa, o nosso primeiro instrumento de significação. Todo o nosso corpo comunica, deixa pistas dos nossos estados de alma. Da mesma forma, não é só através do olhos que lemos, todo o nosso corpo lê, cada pedaço do corpo humano faz sua(s) leitura(s) do mundo.

Tudo é texto, narração, semiótica.

O ator é, então, uma infinidade de textos costurados em busca de expressividade. Atuar é deixar-se ler.

Lá no palco, o trabalho em equipe também muito ensina.

Você olha o outro e vê a si próprio. Tornamo-nos um só corpo: um espetáculo. E ao mesmo tempo um corpo fragmentado, de diversos rostos, um mosaico de possíveis leituras. Mas ainda assim, um só corpo. Partes que fazem o todo. Todo que fazem as partes. Uno e múltiplo, complexo corpo.


Por isso o teatro me lembra tanto o mundo. Uma arte, uma reflexão sobre a vida.



sexta-feira, 18 de março de 2011

de rua





Era uma tarde de verão e eu suava e andava apressada, quando na calçada avistei
um cachorro?
um mendigo? um bêbado?

Era um farrapo de gente
E era só um menino.

Um menino estendido num canto
de uma calçada quente da Tijuca
sem papelão,
sem identificação,
dormia.

um sono tranquilo,
na agitação urbana.
sonhava?
Me perdi na visão do menino que dormia
Perdi a pressa
Perdi o caminho
Olhava espantada
precisava olhar!
O mundo todo girava,
não olhava.
O mundo não olhava o menino.
O mundo perdia o menino enquanto eu me perdia nele.



Menino inerte.
morto?
Deus! Será que ele está morto?
Não. Mexera os dedos da mão, da mão aberta
a outra sustentava sua cabeça.
Uma aberta. PEDINDO SOCORRO?
A outra sustentando os sonhos sob o Sol quente de fevereiro

Vivo.
e ali jogado.
feito lixo. lixo que se joga fora.

lixo) 1 Conjunto de resíduos e sujeiras; 2 Coisa sem valor.
meninos não são lixo.


Era um menino negro
de belas feições e roupas gastas
Sujo de rua, de sonhos de rua.
E sonhava o que?

O que sonha alguém que aos 10 anos de idade cai entorpecido na rua?
Há sonhos possíveis para esse menino?
Há sonhos?

Sonhos?

eu sonho muitas coisas.
em poder pegar esse menino e levantá-lo
tirá-lo daquilo
dar-lhe água comida educação.

mas eu somente passo.
ainda olhando pra ele,
antes de partir
Achei-lhe bonito.

eu segui
Fui para a universidade
e ele lá ficou
Sozinho, bonito, rasgado e menino.
feito lixo.

Eu também o perdi!
também o joguei fora!
sei lá,
sou covarde
Eu o deixei lá.

E agora sinto culpa por tê-lo gerado
Eu e minha confortável cama sentimos a culpa pela existência da miséria.
Mas não fazemos nada.
Engolimos junto a culpa e a miséria.


E depois dormimos temendo que o menino reaja.
Porque um dia ele vai reagir.
Vai passar na tv.
E os sobreviventes que tem travesseiros pedirão sua cabeça!

Vão querer matá-lo enquanto ainda é menino
e dorme nas calçadas da Tijuca.



Eu tenho medo.


Não há inocentes.




domingo, 20 de fevereiro de 2011

Um poema que cativa


O poema teima, esperneia

tá de má vontade.
Se perde nas palavras
me perdem os sentidos e os sentimentos

Finge dor
Finge amor
Finge que nada sente
e só canta pensamentos e ideais


Um poema travesso
embriagado da boemia
sem casa própria e cheio de endereço
Que se escreve pro moço e pra moça

Um poema tonto, o meu amante,

que, como disse Vinícius,
faz "rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento"

Um poema violento,
que só me assalta e mata
ora madura, cansada, envelhecida
ora fruto verde, inconsequente e matreira

O poema me arranca o fôlego
me põe em devaneio,
me desperta à reflexão
E em cada fim de verso, de linha
vou queimando em descompasso

Me deixa solta e leve
no labirinto do minotauro
sem linha e sem espada
_ rendida

Estendida ao Sol,
que toca minha pele e colore
contando sobre o mundo
a história dos séculos

Abandonada, sem norte, sem olhar
me desabriga, o poema
sem as palavras certas
com palavras apenas

Ah! Seja amor ou paixão, tristeza ou nostalgia
só quero um poema que brilhe como estrela
ilume o labirinto
e me transforme em árvore robusta e fértil
de raiz profunda e tenra e tranquila

Mas não este poema.

O poema me joga na corda bamba
me equilibra
Não deixa cair
Não deixa pisar em terra firme

Ele é bonito
e me emociona com a simplicidade
simplicidade de estar viva e ser ainda forte

O poema nasce e logo termina
E é um pouco triste terminar
assim como é difícil nascer
É uma busca envolta em descoberta
Sou eu e o mundo
batido em liquidificador.












"O poeta parte no eterno renovamento.
Mas seu destino é fugir sempre ao homem que ele traz em si."
(Vinícius de Moraes)