terça-feira, 24 de março de 2009

Acordando para a morte

(Este conto foi totalmente rescreito. Conta afora com o título de: "E o que é a morte diga lá meu irmão". E está em uma postagem do mês de agosto.)

O menino tinha tudo. Ria com amigos, muitos ao seu redor. Eram festas, era tanta diversão! Sempre havia pessoas bem solícitas, bem interessadas. Tinha dinheiro também, viajava com a família esporadicamente; e nada lhe faltava, nunca. Era boa a vida. Boa, até que um dia... Um dia acordou morto.
Amanheceu e nasceu o Sol. Um belo dia. Mas morreu! Mesmo com toda a vida, com todo aquele Sol lá fora, mesmo com todo o amor de todo o mundo. Morreu.
Por um momento não conseguia orientar-se, parecia ter caído da cama em meio a um pesadelo. Já não tinha sono, estava alerta, olhos abertos e atentos a nova configuração. Sentou-se na cama. Não entendia o que sentia. Calçou os chinelos. Levantou-se. Era tudo diferente agora, ele sabia. Tomou seu café. Escovava seus dentes enquanto olhava atentamente o espelho com um novo semblante alienado. O que será que ele via ali?
Saiu. Andou por lugares que lhe eram comuns, a rua de casa e a escola, agora lugares estranhos, lhe diziam algo e ele tentava captar. Descobria um novo continente __ habitado por ruas escuras e olhos triste. Sombras que não se escondiam, desfilavam desafiadoras e eventualmente, esbarravam nele. O dia caminhava com aparente naturalidade, só ele ia contra a maré. Não, aquele não era seu lugar, não se encaixava. Que mundo era aquele que ia existindo... tão sem propósito. Ele viveu morto o dia como vivo, morrendo mais a cada instante. Estava imerso em um tédio, sem vida, sem cor. Não queria encarar a verdade que o encarava. E morria um pouco mais, enquanto se perguntava se era possível morrer depois de morto.
“Então é isso, morri.”, dizia angustiado, “Tantos passam por mim, mas parece que não me enxergam. Mas como se estou aqui tão morto! Ou será que não se importam?”
Não esperava que morrer fosse assim, sem flores nem luto. Na verdade, sua vida até então era tão “vida”, digamos vívida, amena. Ele não sabia muito sobre a morte, só vagamente. Como quem que por ignorar despreza, tudo simples, automaticamente. Era culpado por isso? Deveria ter levado a morte mais a sério e agora estava sendo castigado?
Ele foi para casa. Estava tão exausto. Lá encontrou a família e também ninguém que lhe notasse a morte. Todos faziam algo, tão envolvidos em suas rotinas diárias, pois eles tinham uma vida. Ele ficou nervoso, se emburrou, foi para o quarto. Tirou os sapatos com muita raiva, jogou-os longe, um em cada canto. Onde estava Deus para lhe dizer seus pecados e mandá-lo ao purgatório? Onde estava a luz para que ele a seguisse?
Fechou os olhos, tudo tão escuro. E assim de olhos fechados foi se acalmando. Foi expulsando de seu pensamento tudo que o irritava, a rotina, a escola, os amigos e a família. Tudo expulso. Dentro dele agora nada havia de valor.
Sensação de perda, perda de si, de tudo. Vinha de dentro dele. Queria respirar e sentia falta do ar que estava ali, mas não satisfazia seus pulmões. Tremia, delirava. E como para embalar sua morte, dizia sem emitir som: “Eu sinto a morte, sim. A morte está em mim, não há como negá-la. Eu a sinto em cada músculo de meu corpo. Estou morto, nada importa mais, não tenho medo. Não sinto nada. Morto”. Eram devaneios febris. Ou simplesmente palavras que em vão tentavam descrever o substantivo. Mas ele estava no escuro.
O menino cisma na morte e sorri. E aquele sorriso não era seu, era do outro que ele não conhecia, mas ia experimentando. Verdade que não sentia nada. Nunca estivera tão vazio, ele que tinha tantas coisas, tivera. E no escuro o que ele tinha era aquele sorriso, aquela careta bonita. Verdade que na morte não se leva nada. Mas também não se perde não. Brincava de experimentar, pois que tudo era novo para ele.
Ainda respirava com dificuldade, frieza, palidez. Sintomas de morte. Era morte sem dúvidas. Toda aquela dormência do dia agora pesava em seu peito. Eram tantas coisas que não entendia. Nunca pensara muito na vida, mas vivia e achava a vida boa. Não era culpado disso, não é? Por que pensaria na morte afinal! Raios! Não estivera preparado para morrer, não para perder tudo assim. Não estava triste. Tristeza nada tinha a ver com isso. Era outro estranhamento, e vinha de lá, da perda, buraco em si mesmo, um grande mesmo que ficou depois que tudo foi expulso. Foi um ato pensado, necessário, não sentia mais como antes a vida, e tudo o que ela significava. Estava vazio e sozinho. Tinha um grande corte no peito. Mas ninguém vinha. Nada. E não havia o que esperar. Que agonia tamanha era morrer e experimentar; nada dependia mais dele.
A confusão de sua mente o inquietava. Precisava encontrar a paz da morte.
Lá fora Sol se pondo, o dia de sua morte ia morrendo também. O Sol mandava raios, mas ele só filtrava brisas agora. Vinha essa brisa, diferente de tudo o que já sentira. Arrepiou-se todo o menino, perdendo até o sorriso "seu". A atmosfera ficava cada vez mais mórbida, e de seu vazio interior nascia algo, que não lhe agradava. Ele nunca teve medo de nada, até então. De que? Ah que era tudo tão simples... Ele não tinha culpa disso também. Mas parecia que estava em seu próprio funeral, sozinho, velando o próprio corpo.
A brisa sussurrava ao pé de seu ouvido, “Menino tolo. Está morrendo não? Tem medo? Deve ter medo.”, e voz repetia, “Você morre hoje, tenha medo”.
Ele quase achou graça. Alucinações? Deveria ser o último dos sintomas, certamente. E, no entanto, aquelas palavras dentro dele percorrendo agitadas, e quanto mais as repetia mais elas eram convincentes.
Contudo nada de grand finalle. Ele permanecia morto-vivo.
Depois que o tremor passou, ele pode pensar melhor. Sua mente se anuviava, ele enxergava dentro de si. Qual era a grande resposta que se aproximava? Não, ele não era filósofo, mas tentava ser racional. Pensou sobre a morte, tudo o que estava passando e a grande perda. Perder a vida era triste. Entendeu. A morte era triste e ele se se permitia a tristeza. Mas havia um motivo maior que explicasse tudo? Ele pensou durante horas. A vida e a morte, um mistério.
Voltar a gozar plenamente o seu viver, a partir desse momento se tornara impossível. Parte dele era morte e não havia início nem fim, parte imersa no todo.
“De que adianta viver morrer?”, ele buscava resignado, “Aqui jaz meu corpo, e agora aqueles que amo continuam a encenação sem mim”.
Estava inseguro. Sentia responsabilidade sobre a vida. A voz havia sido clara, estava só e deveria ter medo. Tudo era tão mais complicado do que imaginara. Como não fora capaz de perceber! Como ignorara por tanto tempo o medo? Medo e vida. Tudo está ligado, caberia a ele encontrar o equilíbrio.
“Mas a vida, a vida não era tão boa assim”, ele refletia. Achava muita injustiça em viver. Morrer não, morrer era justo, igual para todos. “É a presença da morte que me torna mais cauteloso, obrigado a valorizar a vida”.
Percebia-se, mudava.
Deveria rezar? Ele não tinha religião. Ele queria era estar com sua família agora, queria. Achava que poderia ter feito muitas coisas diferentes. Mas era tarde demais. Tudo claro agora. Ele fora tão bobo, como pudera viver feliz, despreocupado, alienado do fato de que se pode morrer a qualquer momento. Porque as pessoas morrem. As pessoas morrem. E agora o peso da morte o envelhecia, rugas em seu rosto de menino. Nem mais uma gota de felicidade, de vida. A culpa selava sua morte.
A culpa o atormentava. Pensava que “talvez se tivesse me preocupado mais... refletido mais antes de agir”. Bem, deveria ter se preocupado com a morte ao invés de viver só de alegrias frívolas. Todo o sol e o mar e os vínculos e o cachorro e as coisas que ele amava, todas essas o haviam deixado. Ele deveria ter amado menos, não seria tão difícil se tivesse amado menos. Se tivesse sido mais sério.
Morreu o dia e anoiteceu. A brisa da noite era diferente. Não oprimia, era mais leve. Um frescor de vida veio soprar em seu rosto. Era a vida que ainda estava ali, o chamava para uma ainda, quem sabe possível, felicidade?
O menino era homem e cismava, criava conjecturas. Para ele, tudo perto dela era pequeno; encontrava a beleza da morte. Mais alguns problemas lhe surgiam, somente alguns bem pessoais. Ele e suas partes refletiam acerca da essência humana, o que significava existir e se realmente tivera o que chamamos de identidade. Ele buscava seu próprio equilíbrio.
Que ironia era acordar para a vida na fatídica hora da morte. Mas ele estava mais forte! Sim, a morte o fortalecera. Era um homem afinal, pronto para viver ou morrer. E como homem que era sentia medo, arrependimento. Conhecia a vida e a morte. A vida vinha pela janela abstratamente. Mas ele congelado, que podia fazer? O frescor da vida, em contato com sua pele morta, feria. Era uma dor que não doía, mas desesperava; dor invisível de quem só espera pelo fim, ou pelo começo.
Olhou para dentro de si, e seus olhos, de repente, brilhavam de emoção. Ali a sua frente estava a grande descoberta. Talvez pudesse tocá-la! E tentava, pois que estava dentro da morte, __ “morte que redime nossos erros, clareia nossas dúvidas. Então, não são inimigas a morte e a vida! Duas forças diferentes que se completam... aí está o equilíbrio!” E sentiu-se cheio, redondo. Como não havia percebido antes? Sentia-se bem na morte, enxergava o escuro com seus novos olhos. Que sensação mais pueril, a quase tranquilidade e, no entanto, sua boca aguava da vontade de comer aquele instante, devorá-lo para si que era seu, para que ele sempre fosse seu. Ali não via o óbvio, via além; e todo ele se alimentava avidamente daquela náusea doce. “Ah, quero viver!”.
Queria viver! Estava tão próximo da revelação de toda a verdade. Sim, compreendia que amanhecer em morte o fez acordar para si. Que vida era leviandade e tudo o que trazia era prazer, enquanto que a morte secava toda a ingenuidade, o tornava perspicaz, um tanto desconfiado. Descobrira que às vezes era preciso buscar força na morte para se entender a vida.
Pressentia que logo despertaria para seu novo caminho. E agora, ele sabia que tudo seria diferente, nem vida nem morte; o que era isso então? Conformado, “A morte está em mim, ela precisa existir para que exista vida. Vida, Morte e uma linha que sou eu, essa é toda a verdade que conheço”, ele entregou seu último suspiro, e neste não havia bondade.
Às sete da manha, sua mãe bateu na porta para lhe acordar, como de costume. Ele não a respondeu. Um calafrio percorreu sua coluna vertebral, abriu os olhos. Verdade que fora um longo e estranho sonho, e ainda assim somente um sonho. E tudo estava lá nele, aquela verdade do sonho, poderia sentir a verdade boiando em sua garganta, sutilmente lhe asfixiando. A perguntava o inquietava: será que o que o sonho desencadeara caberia nos seus dias? Ela alojada palpitava, reclamava valor e era grande. Em seu instinto hostil de bicho livre, a cativa Verdade encurralando seu dono, desafiadora. O cativo dono inóspito, cheio da ambição e vivo. E a garganta? A garganta pungia ansiosa e obediente, espreitando o seu tesouro, alerta, a espera do comando. Calmamente, ele levantou-se e resoluto, refletiu se deveria engoli-la ou vomitá-la.

8 comentários:

  1. Tenho relação de amor e ódio com esse conto.
    Bem, ao acabar de escrever adorei, achei ótimo até porque ele põe em palavras muitas das minhas próprias dúvidas. Contudo, comecei a implicar... Os parágrafos e as falas não têm simetria e o final está um tanto bobo.
    ai ai =/

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  2. Gostei muito!
    Não precisava ser um sonho... É real!
    Todos "morremos" mtas vezes p/ que consigamos reviver...
    Me fez pensar...

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  3. Editei todo o conto, começo, meio e o final. Acho que conseguir melhorar o final.. pelo menos agora ele está me agradando! ufa!

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  4. Noossaa..
    estamos evoluindo hein!!
    gostei muito menina..
    demorei a ler pq estava sem internet..
    agora estou de volta ao mundo dos blogs..rsrs.
    mas gostei bastante...
    Eu tenho uma teoria sobre sonhos que parecem reais... mas enfim.. isso eh coisa pra um post e nao um comentario..rsrs.
    adoreiiiiii!!!
    bjaum menina

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  5. Mtoo legal!!
    Nos sonhos a gente observa melhor td...e acorda dando mais valor aos detalhes!
    Como Lívia já disse..tbm acho q as vezes é preciso morrer de vez em qnd para revivermos melhores do que éramos antes!
    Adorei...bjsss!!

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  6. habitado por ruas escuras e olhos triste.-- falta um S. ;)
    Mas a vida, a vida não era tão boa assim”, ele refletia. Achava muita injustiça em viver. Morrer não, morrer era justo, igual para todos.-- FODA!!!!!
    Ele e suas partes refletiam---Forte pra cacete!
    sua boca aguava da vontade de comer aquele instante, devorá-lo para si que era seu,--COMER uma ESTRELA, Clarice?
    Ali não via o óbvio, via além;--Tah escrevendo MUIto, hem?
    Ela alojada palpitava, reclamava valor e era grande.--- CaRAAAAAAAAA!!! Fantastic!
    parabéns, linda!! Tah escrevendo muito muito bem! Arrebentou!

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  7. Gostei muito. É o tipo de texto que num dá vontade de parar de ler...mesmo sendo grande!
    =)

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  8. Amigaa.. és artista..

    amei! de verdade!!

    beijoo

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