quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Rotas

Uma rota de fuga
Uma rota de colisão.

Ouço os malditos entoarem choro e riso:
Todos culpados, todos juízes.
Por vezes colidem com o roteiro de meus passos curtos,
Encurtam meus dias.
Em vidro translúcido me prendem
Eu vejo que é pelo medo e que de nada adianta
Uma prisão que desprotege o dentro e fora
Soltos como bichos.
Partimos e nunca chegamos.

E todos caminham tão rápido
E todas são as direções
Vamos nos perdendo uns nos outros
Como espelhos colidindo

No fim tudo é poeira branca,
Nem cacos
Rotas de fuga para a colisão.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

A Manhã

Nossos corpos, uma manhã
Despertamos para ansiar o dia
Impuros. Um quadro torto.
A face, os membros e a língua
Tudo atravessado por dentes e lábios
Que de juventude e sonhos preferimos não
O não saber, não dizer, só estar.
O não-dito dizendo sinceras elegias
A lástima do nascimento do novo
Em receoso buraco.

E era uma bela manhã de julho.
E fechava o mês
E abria caminhos
E reticenciava sentimentos.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Socorro, não estou sentindo nada

Eu quis ser simples, não amar demais, não correr atrás de respostas. Fui caminhando devagar a passos leves, tomando cuidado para não pousar o pé em canto algum por demasiado tempo. Inventei a seguinte fórmula: encarar com sensatez e cautela o duradouro, enquanto que, em contrapartida, o passageiro seria o locus do extravasamento. Acho incrível como tamanho desequilíbrio pôde me levar a uma estável zona de conforto.

Admito que minhas desventuras não dariam nem boas notas de rodapé. Venho ensinando-me a conviver intimamente comigo, minhas palavras e nada mais; talvez, por isso, pressinto que elas perdem força. Sinto falta do desespero que te assalta o peito, do vergonhoso choro no ônibus só porque ele não disse as palavras certas, dos devaneios constantes, do poema de amor mal feito no meio da madrugada, da dor lancinante de querer fugir e sentir-se paralisada sabendo que o outro já está a léguas de distância. Que falta faz o abstrato.

Hoje eu me mexo quando e para onde prover, não reclamo, mas vejo-me muito concreta. Peço a Cássia Eller sua música emprestada para cantar o meu momento:

"Socorro - Cássia Eller
Socorro, não estou sentindo nada
Nem medo, nem calor, nem fogo
Não vai dar mais pra chorar, nem pra rir
Socorro, alguma alma, mesmo que penada
Me entregue suas penas
Já não sinto amor, nem dor, já não sinto nada
Socorro, alguém me dê um coração
Que esse já não bate, nem apanha
Por favor, uma emoção pequena
Qualquer coisa
Qualquer coisa que se sinta
Em tantos sentimentos
Deve ter algum que sirva
Socorro, alguma rua que me dê sentido
Em qualquer cruzamento, acostamento, encruzilhada
Socorro, eu já não sinto nada, nada"


Gostaria de ser menos meta, seta, linha reta, afinal talvez o alvo nem me espere, como diria Paulinho Moska. Quero dizer “eu te amo”, quero me arrepender de ter dito.
Porque, cara, o ser humano é uma loucura mesmo. É estabelecer-se no ápice do contraponto, na iminência da mudança. Sinonimizamos o vazio e o completo, o certo e o errado, eles não nos servem. O que importa é jogar-se nesse jogo de quebrar, é estar em processo.

domingo, 13 de junho de 2010

O papel do artista


Hoje, na aula de teatro, conversamos sobre o papel do artista. Falamos sobre a magia da arte, do poder de seduzir, de provocar encantamento. E da sua função política, como veículo de reflexão crítica sobre o humano e seu meio.

Outro papel muito importante do artista é o de incomodar. O que por vezes passa despercebido ecoa aos olhos do artista, fazendo da arte o mistério daquilo que já conhecemos. Nas mãos do artista uma rosa não é só uma rosa, se transmuta em uma arma de espinhos ou em um beijo de pétalas. Por isso, se eu tivesse que traduzir a arte em um só sentimento, este seria o da perplexidade ante o cotidiano. O artista é aquele que sente o estranhamento como um estado constante de alma. Um ser inconformado que vaga em busca de significação. A lucidez do artista beira a loucura, penso. Enxergar além tem um preço, principalmente, quando se tem a consciência de que nunca se enxerga o bastante. Afinal, todo ponto de vista é a vista de um ponto (Leonardo Boff).

A vida é um jogo de regras relativamente estáveis. Começa assim que você entra em cena, cada passo seu repercute no jogo e você vai desenvolvendo seus movimentos na troca com o outro, dentro das condições de possibilidades do meio. A gente vai se percebendo nesse espaço, construindo um personagem que nunca é um mesmo. O existir vai se tornando habitual.

O que me lembra um poema interessante de R. D. Laing, assim:

“Eles estão jogando o jogo deles.
Eles estão jogando de não jogar um jogo.
Se eu lhes mostrar que os vejo tal qual eles estão,
quebrarei as regras do seu jogo
e receberei a sua punição.
O que eu devo, pois, é jogar o jogo deles,
o jogo de não ver o jogo que eles jogam.”

Então o teatro burla essa regra do jogo, pois que é feito uma metavida.

O que te incomoda? Quais são as suas questões?, perguntou meu professor de teatro.
Por hoje essa é questão que me sorveu o dia: Qual é o papel do artista? ou melhor..

Qual é o meu papel e o da minha arte?

Bem, espero ter incomodado vocês, leitores. :)

domingo, 6 de junho de 2010

Breve excursão interior


Pedaços pelo chão querem me compor: sou música. Sou um rítmo em descompasso que caminha em diagonal. Sou narrador-personagem, que ludibria, que quer ser lida. Sou a tentativa de descobrir, conhecer. sempre o processo, o meio, o imperfeito. Eu quero questionar o que dizem os poemas e as armas químicas. Costurar perspectivas e implodir qualquer certeza. Sou uma pintura cubista.


Sou o que vem depois da vírgula,

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Tragédia e Comédia

Hoje fui a um funeral. Senti a dor e tentei confortar uma amiga. Eu ali, no auge da compaixão e debruçada a olhar para o meu próprio umbigo: e se fosse comigo? Ser humano. O mais primórdio instinto: a busca pela sobrevivência que remete ao egoísmo. Creio que minha compaixão era deveras sincera, mas ao vê-la era um ser humano que eu enxergava, impotente na sua angústia, refletindo a minha impotência por tentar secar suas lágrimas não findáveis. Tão parecido comigo. Dá tanto medo de sentir dor.

"A vida é um grande teatro”, pensando agora nos gregos e nas duas máscaras que caracterizam o gênero: tragédia e comédia. Creio que seja a impossibilidade de riso frouxo que faz das piadas de velório as melhores. Será coincidência? Ou por que naqueles momentos de maior apreensão é que nos assolam risadinhas nervosas? Teorias explicariam que liberamos algum hormônio e blablablá.

Mas, amigos, fiquem sabendo que vocês estão encarregados de promover o primeiro Funeral o Mundo a Festa* de todos os tempos. Eu falo sério, gosto da ideia de um funeral com música da Lady Gaga, queijo no meio para dançar e, é claro, bebida liberada, tipo Cine Ideal mesmo. É, nada de choro nem vela. AAAh e não se esqueçam de espalhar os meus poemas por todo o lado.

Que tal instituirmos uma nova regra social na qual fica acordado que em todo velório o parente ou amigo do defunto deve trazer uma foto em que esteja com ele ou ela, e contar a todos porque aquele foi um momento especial? Ou trazer um recorte, uma música? A graça consiste sempre na criatividade. Resignificaríamos a dor, que, aliás, dor ainda seria.
Choro e riso.
Vivemos sob o signo enigmático das máscaras do teatro grego... e a vida é mesmo uma síntese dialética dos opostos (barroco! oh) (claras influências de Fernando M. de Barros! rs).

quinta-feira, 29 de abril de 2010

inventei que o vento me invertia

inventei que o vento me invertia,
escrevi que o crível me recriava,
calculei o canudo que me cabia,
inspirei o poema que me respirava.

é meu modo de mordiscar a coleira,
porque não me fiz frágil nem freira,
parti desde o parto para essa estrada
sem licença para de seda laços
mas de pau e pedra e canetada.

cigana que não se engana nas artimanhas
só espera a espreita enquanto estranha.
para voltar envolta de início
a inventar vento malício.
entoando odes ao ocioso ciclo.